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27.12.17

O raríssimo ano de 2017

Quem viveu em lisboa nos anos 70 ou 80 do século passado, lembra-se bem do que viviam, nas horas vagas, as “manequins”. De expedientes vários, claro está, que esta é uma publicação séria…


Luis de Campos, professor catedrático no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, identificou e descreveu para a posterioridade, essas exemplares figuras do Portugal, entre a revolução e a integração europeia, nos seus livros “Viver sem trabalhar, num País à beira mar”.

Não se julgue que o autor, de tamanha “anatomia do ser Portuga num mundo em mudança”, profundo conhecedor dos meandros da ex-Capital do Império, de repente transformada no centro de todas as oportunidades, se restringiu à identificação das “manequins” de então, num arquétipo feminino, existente desde tempos imemoriais. Viver de expedientes é, antes de mais, uma arte nacional, convertida em religião dos tempos dos bezerros de oiro (e de outros, obviamente), perdoem-me a bíblica imagem. Nem sequer essas “ocupações” eram – ou são exclusivas desta Capital, ontem, como hoje, um pouco disseminadas pelos quatro cantos das ruas e dos mundos, raríssimos, ou talvez nem tanto. 

Também nós, aqui pela província, fomos conhecendo de tempos a tempos, espécimes de ambos os géneros (e também do outro, quase, quase em legalização, a exemplo da Austrália ou da Alemanha), os quais sempre foram sobrevivendo de “esquema” em “esquema”, à sombra de uma qualquer conivência empresarial ou política, de um barzeco de luz inconfundível ou mesmo de um qualquer sindicato de trazer (literalmente), por casa…

Dir-se-ia que tal forma de vida da(o)s “manequins” e congéneres, com o avançar dos anos e da europeização do País, pós 1986, terá caído em desuso, mas temo bem que não. Apenas se terá modelado, sofisticando-se, comprando “uns trapinhos” melhores, umas motorizações maiores e percorrendo os mais elevados areópagos do saber e do poder, como se de gente séria se tratassem…

Dos Mercedes, arcaico símbolo do poder do século passado, rapidamente as “raríssimas”, passaram para os BMW, as casinhas no campo e nas Quintas do Lago, dos Cabritos, aos Caviar, portanto. Foi uma Festa, pá! Os fundos comunitários espalharam-se durante mais de um quarto de século e consumidos como se não houvesse amanhã. Umas – e uns, para sermos bem mais corretos, alcandoraram-se em IPSS’s, mas também em muitas empresas públicas ou privadas, vivendo de subsídios públicos – que vai dar no mesmo, em lugares subalternos, até que as oportunidades surgissem. Do “esquema” à oportunidade, vai muitas vezes um passo, e as “raríssimas” deste novo Portugal, só têm de estar no lugar certo à hora certa. Luis de Campos, podia ser Professor em Agronomia, mas não percebia só de cogumelos…

Chegados a 2017, muito fica ainda por contar, mas ainda a procissão vai a meio, pelo que oportunidades não faltarão. Anos, décadas de oportunismo florestal, baseados ora na monocultura do pinheiro bravo ou do eucalipto, aliado ao género mais atual de raríssimos gestores da coisa publica e da conivência com as celuloses, que garantiram décadas de rendimentos fiduciários seguros, e mais Mercedes e BMW’s nas garagens, férias nos Brasis e nas Cubas deste mundo, à custa dos 110 mortos deste ano e das mais que hão-de vir, até que ganhemos vergonha. De Tancos, daquela pequena parte do Polígono militar que pertence ao Concelho de Tomar – sim porque os Paióis ficam mesmo na freguesia da Asseiceira, caso não soubessem, parece mesmo que de lá saíram as armas, devolvidas seis meses depois acrescidas de mais uma caixita que ninguém notara o desaparecimento. Nunca tal foi previsto nos livros de Luis de Campos, nem os “raríssimos” desta vida se haviam lembrado, mas aconteceu mesmo…

Um Estado que falha nas questões base da soberania e nem, com dignidade, sabe responder ao novo ditador africano instalado no Fotungo de Belas. Sim, porque aí, o hiperbólico campeão nacional dos beijos e abraços, que gostaria um dia de ter tido a legitimidade para governar a Capital do Império ou o País com o seu prórpio governo, claudicou, talvez porque perdeu todas essas eleições e apenas lhe foi confiada a missão de ser a “Rainha de Inglaterra”, veste que tem dificuldade em assumir, apesar de ser a que a Constituição lhe reserva. Neste caso, ficou exemplificada a sua “raríssima” vacuidade. 

De um Estado que não cumpre as suas funções de soberania – nos negócios estrangeiros, na defesa nacional, na proteção civil e na justiça, não podia também esperar-se que tivesse o necessário controlo no setor social, responsável por mais de 2.000 milhões€ de riqueza, envolvendo cerca de meio milhão de empregos, em regime de direito privado, mas financiados em cerca de 3/4 por fundos públicos (nacionais e/ou comunitários), que faz aquilo que ao Estado competiria, se este quisesse efetivamente ser gerido sem dar espaço às “raríssimas” desta vida, manequins ou não…

Um Estado, que no mesmo ano, não permitiu que um cidadão declarado insolvente por factos praticados por sócio de empresa onde tinha participação, antes de ser legitimado pelo voto popular para Presidente de uma Câmara e após dois mandatos brilhantes à frente desse Município (Ourém), é impedido pelo Tribunal de se candidatar, mas 15 dias depois das eleições vê esse processo (de insolvência) em definitivo arquivado, não pode ser levado a sério. Especialmente como no mesmo “raríssimo” ano, se permite que Presidentes de Câmara condenados e com pena cumprida por corrupção no exercício de funções públicas o pudessem fazer (Oeiras, Matosinhos e Gondomar). Ou que, de outra forma, pudesse permitir que Presidente condenado duplamente em Tribunal por incumprir, no exercício das suas funções, determinações judiciais de defesa dos direitos dos cidadãos, que jurou defender, se recandidatasse e, para vergonha de todos, voltasse a ser eleito – caso de Tomar.

Sim este ano, foi de facto verdadeiramente excecional. Diria mesmo raríssimo. Dele ficamos com a certeza que, ou mudamos de vida, ou voltaremos rapidamente ao atoleiro de vícios que Luis de Campos descreveu, a propósito das “manequins” e outras figuras típicas do Portugal do século XX.

Rarissimamente somos chamados à ética, com tanto apelo como neste – já passado, ano de 2017.

Que nos sirva de exemplo.





* Luis Ferreira, Ex-vereador do Município de Tomar 

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